Coluna Bilhete
Transcrição
Ao Senado Português – Excelentíssimos senhores: saudações. À hora em que escrevo este bilhete já deveis ter recebido o telegrama em que agradeço a honra insigne do vosso voto. Estas linhas são apenas o desejo de acentuar bem os sentimentos brasileiros pelo vosso amado país. Quem uma vez esteve em Portugal encontra carinho tão alto e tão desinteressado pelo Brasil que não pode deixar de vos considerar irmãos queridos. Quem viveu alguns meses nas vossas cidades e nos vossos campos aprende a amar ainda mais o Brasil. Quem estuda o temperamento do português franco, simples, bom e independente e despreocupado vê bem que portugueses e brasileiros são filhos do mesmo tronco – para honra e glória de ambos. Quem lê a história e acompanha a colaboração eficiente de trabalho, de sacrifício, de esforço dos portugueses no Brasil, durante cem anos, só pode ser grato como brasileiro a essa corrente generosa que de lá nos vem.
Os brasileiros, a totalidade dos brasileiros pensou, pensa e pensará assim. Eu sou no caso a fração mínima, o quase nada, a voz que se sente fraca por ter de conter tantos sentimentos acordes.
Em Portugal há neste momento um pasmo doloroso diante de uma imprevista agitação hostil aos portugueses. Tendes no fundo razão. Quando pensais que os portugueses:
– são uma grande colônia de trabalho;
– não se metem na política do país;
– não pedem privilégios;
– não solicitam nem entram em negociatas;
– constituem por cá família;
– e, em vez de serem os exploradores, são os nossos amigos de todos os dias.
E de repente sabe o vosso povo que, sob o pretexto de defesa das costas, quiseram nacionalizar à força e de improviso os pescadores, movendo-se em torno uma grita agitadora de que resultaram:
– apedrejamento de casas no Pará;
– agitações em Manaus;
– e aqui no Rio meetings e passeatas de direto insulto aos portugueses.
É natural que imagineis, sem compreendê-lo, aliás, o ódio brasileiro à Portugal.
Não é verdade.
Houve tudo isso – por despreocupação ou leviandade de quem devia chamar à ordem os agitadores, mas as tremendas coisas que crescem nos jornais e nos telegramas são agitação de ??? à cata de popularidade e de negocinhos, e nada, absolutamente nada tem que ver com o pensar do Brasil.
Todos os verdadeiros nacionalistas, aqueles que desejam o Brasil igual às maiores potências, aqueles que pensam a sério na nacionalidade, sentem que ela se tem de fazer grande na tradição histórica e que, para absorver as massas imigratórias necessárias a uma extensão territorial de quase nove milhões de quilômetros quadrados, precisamos ininterrupta a corrente portuguesa ao lado do brasileiro, para caldeamento [COB1] do estrangeiro.
Vós ??? os acessos neurastênicos ou a insistência cretina de meia dúzia de cidadãos que querem a “língua brasileira”. Acaso imaginaríeis que todos os brasileiros estejam assim tão fora do juízo? Vós sabeis que se confunde nacionalização da pesca com a nacionalização de pescadores, para executar a lei agressivamente, à valentona, quando – feita a nacionalização dos pescadores mesmo no momento em que cada um fosse chamado ao serviço naval – ninguém se poderia queixar. Mas todo o Brasil sensato ergue-se contra o modo por que se procedeu e devíeis ter lido como na Câmara, no Senado, no Supremo Tribunal o caso foi tratado.
Não! Excelentíssimos senhores. Há uma lamentável e desvairada agitação promovida por um grupo restrito de escrevinhadores e maus oradores de praça. O Brasil não lhe deu atenção – por não ver o perigo, o desprestígio que dela adviria para o nosso país liberal, acolhedor e livre. Mas é todo ele, o Brasil, que diz a impressão causada pela partida dos humildes poveiros, homens dignos do respeito e da estima de todos os corações nobres. E essa impressão é a que faz meditar com tristeza no ato que os forçou a abandonar o Brasil levando os filhos brasileiros.
Eu reitero os agradecimentos pela honra do voto com que tocais o meu coração de brasileiro. Mas eu não sou, Excelentíssimos Senhores, senão a voz muito humilde para dizer o sentimento dos brasileiros acordes na necessária e indiscutível amizade entre portugueses e brasileiros.
Com o maior respeito
João do Rio
[COB1]caldeamento (cal.de a.men.to) sm. 1. Ação ou resultado de caldear; f usão, mistura, mescla 2. Fig. Cruzamento de raças e etnias; formação de população mestiça; MISCIGENAÇÃO [F.: caldear + -mento.] http://www.aulete.com.br/caldeamento
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