Coluna Bilhete
Transcrição
A Martinez, Galego. – Meu caro amigo, pergunta-me você “o que pensam os jacobinos da Galiza espanhola, a dos galegos, quando chamam os portugueses de galegos. Eu não sei exatamente o que pensam os homens dos 14 marcos. A Galiza é uma terra rude e forte de Espanha, que tem dado homens de alta inteligência à política e à literatura, e, ao demais, quase espantosa de capacidade de trabalho em comparação com as outras províncias do reino de Affonso XIII, salvo a Catalunha. Portugal é, no continente europeu, a única raça oceânica perfeitamente diversa da íbera. Os portugueses fizeram-se naquele pequeno pedaço de terra, independentes da vizinha na península, para dominar os mares, descobrir terras, fundar impérios.
Quando os jacobinos chamam os portugueses de galegos, ofensivamente, devem partir primeiramente da ideia de que é humilhante trocar a pátria de alguém. Se chamarem a um brasileiro de argentino, ele não fica contente, apesar da Argentina ser uma grande nação sul-americana. Se chamarem você de turco, você Martinez, de Tuy, você fica furioso.
Há também a ideia de que, não se recusando o galego a qualquer trabalho e sendo os portugueses exemplo de trabalho, é uma pilhéria de parasitas, de “almofadinhas” querer humilhar o trabalho dos outros, desde que esse trabalho não se limite a dizer tolices em meetings. Os portugueses são chamados de galegos porque trabalham, contanto que trabalhem. Não era preciso chamá-los de galegos. Bastaria dizer: portugueses, gente honesta, sã, cujo labor louvam agora França e América.
Apesar disso, um aspecto do caso faz-me perplexo. Os galegos são espanhóis. Os nacionalistas decretaram que foi a Espanha descobridora do Brasil e até nesse sentido lançaram daqui um telegrama redigido no estilo do “Novidades”, dando conta do descobrimento ao Rei de Espanha. Por consequência, para eles os espanhóis é que são esplêndidos, inteligentes, navegantes, descobridores. E chamar galegos aos portugueses redunda em atribuir aos portugueses o que eles negam aos portugueses: todas as qualidades excelentes e todos os feitos, inclusive o Brasil.
Você repare, Martinez. Pedr’Alvares Cabral era uma cavalgadura que não descobriu o Brasil por ser português. Mas, se foi a Espanha a autora desse feito, Pedr’Alvares galego, necessariamente espanhol, deixa de ser cavalgadura e passa a dileto amigo.
Tudo isso mostra, meu caro Martinez, apenas mesquinhez desses cidadãos. O primeiro a ser ofendido nessas histórias de jacobinismo é o Brasil, o Brasil ferido nas suas tradições, o Brasil ferido na feição que sempre lhe conheceram de liberal, generoso e justo. Você é galego e está vendo que o humilham para humilhar os filhos dos nossos pais, isto é: os nossos irmãos. Não se zangue. Continue a trabalhar. Como os brasileiros honestos. Como os portugueses sãos.
O Dr. Epitácio diz que permite os estrangeiros, porque precisa de trabalho. E eu acrescento: para pagar todos os impostos de que se servirá em gastos extraordinários...
Afetuosamente seu
João do Rio
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