Coluna Bilhete
Transcrição
A João Ribeiro – Na Academia – Meu velho João. Em primeiro lugar os meus cumprimentos pela sua copiosa volta ao jornalismo. Você está um fazedor de artigos de espantar a juventude. Raro é o dia em que não encontro a sua assinatura nas folhas que duram um dia e tanto horror lhe causavam há tempo. Parece que lhe deu de repente aquele entusiasmo que fez o Corazzini escrever no Libro per la sera della Domenica:
Avanti. Chi le vuole?
Idee originali
a prezzi normali.
Io vendo perché voglio
raggomitolarmi al sole
come un gatto a dormire
fino alla consumazione
de’ secoli[COB1] .
Mas o diabo, meu velho João Ribeiro, é que você tem todos os dias ideias originais sobre o mesmo assunto. Você varia! Com a sua cultura e a sua fama e a sua gramática e a sua autoridade, você foi, por mero estado nervoso certa manhã, jacobino, e dessa extravagância resultou um grande mal. Depois você tem variado e tem sido mesmo inexplicável.
Você, por exemplo, não leu a conferência que o grande poeta João de Barros realizou no República sobre o tema: “Portugal Maior”, para mostrar os progressos da sua pátria na indústria, na instrução, na agricultura. E, com toda a calma, escreveu contra João de Barros, acusando-o de chamar o Brasil de Portugal Maior e querer absorver-nos. João de Barros o mais ilustre, sincero e desinteressado amigo que o Brasil tem nas letras europeias!
É que uma das suas ideias originais, vendidas a preço normal, nasce de uma verdadeira doença sua: a mania da influência dos intelectuais portugueses no Brasil. Você não viu isso no tempo do Eça e do Ramalho, seus contemporâneos: você não se zanga com os rapazes brasileiros copiadores, decalcadores, que fingem gerações literárias num país onde a literatura cada vez tem de ser mais inexistente. Você fica furioso com os portugueses. E daí a sua mania da influência, daí algumas afirmações suas tão disparatadas como a dos venerandos rapazes da pândega jacobina (e digo venerandos rapazes, porque você os chama de rapazes quando há vinte anos os conheci já de bigode e barba, por sinal alguns recitando versos na legação [COB2] de Portugal e outros cavando a aproximação pelo turismo entre Brasil e Portugal).
Ainda ontem você anima os venerandos rapazes da “brasilidade”, paternalmente, até um palmo do artigo. Depois você tem uma breve crise de bom senso e nota como essa antiga juventude é parva em descompor, em insultar os portugueses.
“Insultar os portugueses é insultar-nos a nós mesmos.”
Depois você vacila, encosta-se ao fio da coluna e retoma a sua norma de ideias originais, para afirmar que não devemos admitir a influência dos portugueses, que se verifica no Brasil e principalmente no Rio, onde há muitos, graças a Deus!
Mas, meu prezado João, em que influem os portugueses, se eles são da nossa raça, da nossa língua e ficam no Brasil? Eu, há dezessete anos sou contra os estrangeiros que pretendem absorver-nos. Isso está nos jornais, está nos livros que lhe tenho oferecido (gentileza que raramente faço) e que você não me deu a honra de ler. Ora, se sempre me bati e me bato pelos portugueses é justamente porque no Brasil eles não são negocistas, absorventes, não se metem com os governos, trabalham e amam o Brasil; e em Portugal eles são os nossos amigos largos de coração, recebendo-nos e estimando-nos como irmãos.
Ainda nenhum português foi tomar a Amazônia como os americanos fazem agora, apesar, meu caro, da Amazônia ter sido um grande pedaço de terra que Portugal descobriu e ligou à sua estupenda obra, dele – o nosso Brasil.
Falar em imperialismos, em absorção – quando se trata da gente sã e nobre que nos ajudou sem pretensões a fazer-nos nestes cem anos de independência, grandes, depois dos nossos comuns antepassados terem descoberto na América do Sul e aqui implantado o império de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, é – já não uma fantasia, uma ideia original – é ser injusto de mais.
Você deve ter mais de 60 anos. O nosso confrade Affonso Celso também. Os “rapazes” da Ação de desaforos frisam [COB3] como eu a casa dos 40. São, creio, idades para ter juízo.
E este bilhete, que quer ser de parabéns, leva o desejo de ver entre os inumeráveis artigos da sua segunda fase jornalística um que diga até o fim o sentimento brasileiro, que é o de maior afeto, de excepcional afeto pelos nossos “compatriotas d’além-mar”, muito maior quando eles para cá vêm.
Com o cordial shake-hands.
João do Rio
[COB1]https://viomarelli.wordpress.com/2014/06/16/bando-sergio-corazzini/
[COB2]http://www.aulete.com.br/lega%C3%A7%C3%A3o
[COB3]http://www.priberam.pt/dlpo/frisar (acepção 9).
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