Coluna Bilhete
Transcrição
Meu caro amigo – Deve você ter visto as tremendas descomposturas que vários jornais desencadeiam agora contra este seu criado. Em todos os dias, pela manhã e à tarde, regalo-me de sapos mortos, lendo a convulsão do esterquilínio[COB1] . E regalo-me porque, como todos os homens de destaque no Brasil, a minha sina é ter esse clamor – de tal forma que, no dia em que os “confrades” não me insultarem, evidentemente acredito estar perdendo o prestígio.
Ainda era menino de preparatórios e certa vez levei um artigo acerca do Eça de Queiroz ao País. Eduardo Salamonde publicou-o. Eu exultei. Fui à redação agradecer, satisfeito. Mal entrava, o contínuo entregou-me duas cartas, o que fez delirar a minha vaidade de criança. Que êxito! De certo seriam aplausos. Abri a primeira. Foi como se recebesse um murro no estômago. Era anônima, dizendo-me os maiores horrores – de certo porque eu louvava o Eça. Abri, trêmulo, a segunda. Também anônima e cheia de desaforos.
Meditei na amargura tremenda que é a evidência, mas resignei-me. Dentro em pouco o insulto vinha nos jornais. Ao primeiro que fez isso eu espanquei, num teatro. Ele fugiu, e repetiu. E eu, meu querido amigo, resolvi nunca mais me aperceber da raiva dos desclassificados e dos invejosos. Em vinte anos de jornalismo, num exaustivo e tremendo labor, toda a lama disponível nas sarjetas eles me atiram.
– Por quê? – indagará você.
– Por quê – pergunto eu a você também.
É exclusivamente o ódio contra o êxito. Aí tem você – não um caso literário (porque mesmo a propósito de livros a dízima periódica do insulto esbraveja) – mas pura e simplesmente o caso da Pátria.
Se fosse um desastre, querido amigo, diriam horrores. Foi o êxito. Acreditando que eu virei nababo, insultam-me. Leio todos os dias que a colônia portuguesa (você já viu a pulhice desses escrevinhadores?) fez um jornal para me presentear Mas acabo de ver no Piccolo[COB2] , de São Paulo, que é a Banca di Sconto [COB3] (essa é impagável!) e não a colônia portuguesa a dar dinheiro a este cínico cavador que sou eu. Em que ficamos?
Nenhum desses sujeitos imagina que se possa fazer um jornal com convicções; nenhum imagina que há um banqueiro certo – o público – quando compreendem a honestidade dos que trabalham.
E que fez A Pátria de extraordinário, para tanta cólera?
É a edição diária de pensamentos e sentimentos meus, publicados já em livros: é o desejo do Brasil grande, igual às maiores nações e com a sua corrente latina pelos portugueses, pelo italianos.
Desde 1903 eu me bato pela íntima solidariedade luso-brasileira; desde 1903 eu me bato conservadoramente pelos operários; desde 1910 eu falo da Itália como hoje.
Mas é preciso denegrir, insultar, infamar, mentir. Alguns dos escribas são pagos pelos prejudicados capitalistas ou pelos maus brasileiros.
Ainda agora, no caso dos “poveiros”, estava com uma causa justa. O governo, com o ato de prorrogar o prazo para a execução da lei, deu-me razão. E quantos levavam a insultar portugueses passaram a dizer que nunca fizeram isso, que não há inimigos dos portugueses e que eu sou um reles cavador, também careca, pançudo, canalha, burro e invertido.
Ainda bem. Como eu não pedi nada a ninguém – os que leem essas torpezas riem. E devem agradecer o resultado: todos os que ??? elogiam agora são amigos!
Mas tudo isso é o desespero da matilha a ver se me atordoa. Eu continuo tranquilo. Um pouco enojado, só. Mas sempre a dizer justamente o que penso, sem responder aos desesperados. Discutir com certa gente é apenas descer.
De resto, para que discutir?
A Pátria fez a campanha contra a violência da aplicação da lei de naturalização da pesca. O ministério acabou dilatando o prazo para a naturalização e, se houvesse poveiros no Rio, eles poderiam pescar hoje!
A Pátria verberou [COB4] o chefe de Polícia no procedimento de fomentar a exacerbação operária com bombas atiradas pela polícia e prisões ilegais. O chefe parou com as bombas e teve de restituir ao mundo não só o Antonio Silva, mas os outros operários presos ilegalmente.
É alguma coisa em quarenta e três dias...
A Pátria continuará assim enquanto Deus quiser. E para defender o que é justo e atacar o que é mau não são precisos palavrões. Basta tenacidade e retidão. O povo percebe isso bem.
Quanto ao resto – que os insultos continuem estrábicos, delirantes, atrozes, cheios de inveja, de peçonha e de dinheiro dos excelentíssimos negocistas. Isso é-me indiferente.
João do Rio
[COB1]http://www.aulete.com.br/esterquil%C3%ADnio
[COB2]Il Piccolo, jornal de língua italiana que circulava em SP.
http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/_ed786_para_ler_longe_de_casa/
[COB3]Instituição de crédito italiana.
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