Coluna Bilhete
Transcrição
Dr. Epitácio Pessoa – Rio Negro. Petrópolis – Quando V. Exa. faz discursos é como o Pires do Rio quando dá entrevistas – magistral. O pichoso [COB1] encampador não tem rival em contar lorotas. V. Exa. é de fato um orador. Mesmo os erros de português passam na onda ardente sem maior prejuízo. Tem razão o Tobias Monteiro em julgá-lo mestre de oratória. E eu lembro sempre como V. Exa. em Paris, falando do 13 de maio, fez chorar a nossa ministra na Holanda em meio da arrebatada comoção geral.
Ora, para os oradores brasileiros, desde que Dumont deu a volta à Torre Eiffel, há um motivo que serve de cotejo às capacidades oratórias: a Navegação Aérea e o Brasil. Creio que todos os oradores falaram das asas do Brasil: o Patrocínio, o Rafael Pinheiro, o Pinto da Rocha.
V. Exa. não quis fugir à regra, e concorreu também a esse concurso eterno sem limite de inscrição. Após um veto que prejudicara todos os aviadores e principalmente a quase sem recursos ilha das Enxadas, V. Exa., na festa em homenagem aos campeões brasileiros, também quis falar. Só Coelho Netto, com os seus trinta e cinco anos de atividade literária remoçava-se no seu papel de Píndaro, quando V. Exa. abriu o lábio.
V. Exa. falou bonito. É ocioso dizê-lo. V. Exa. fala sempre bonito. Mas no meio da brilhante tirada, V. Exa. diz com ardor uma irreflexão – porque não posso acreditar V. Exa. contra os portugueses especialmente. V. Exa., no seu discurso, declamou:
“Os lusitanos nossos antepassados venciam as correntes do mar. Eles, espantando o mundo com a audácia dos seus peitos, não quiseram acreditar que as mesmas energias surgissem na terra que desbravaram.”
Não, Dr. Epitácio! Para que levar o jacobinismo ao tempo de Bartholomeu de Gusmão?
Quando em Lisboa riam e ridicularizavam o frade da Passarola, não havia rivalidade alguma, nem os portugueses riam do brasileiro; riam da possibilidade da navegação tão difícil, aliás, que só duzentos anos depois foi realizada.
V. Exa. sabe que os pioneiros, os descobridores foram sempre, quando não perseguidos, motejados[COB2] . Se V. Exa. tem memória, sabe a troça que fizeram da alavanca de Arquimedes. No dia em que souberam ter Galileu provado o movimento da Terra, pintaram o sete com Galileu na Itália, apesar do mesmo ser italiano. Pallissy, que fez o barro vidrado, a louça, era debochado até pela própria família, e nós brasileiros rimos de uma porção de inventos brasileiros que vão ser aproveitados no estrangeiro, sem que, rindo assim, queiramos duvidar das nossas energias.
Qualquer dos muitos livros para crianças sobre descobridores encheria de exemplos o caso para mostrar quanto V. Exa. foi injusto. Quando apareceu o primeiro fonógrafo, essa praga assustadora, em Paris teimavam que se tratava de ventriloquia... No discurso de V. Exa., tão lindo, infiltra-se essa animosidade jacobina, inferior aos recursos de um orador como V. Exa., tanto mais quanto é um contrassenso.
Bartholomeu de Gusmão era pilheriado e condenado por todos. Se o fizesse no Brasil, a mediocridade riria dele. Coisas da época.
Agradeçamos a Deus, sim: dar-nos a pertinácia de idealismo prático da raça a que pertencemos, entoemos o contínuo louvor a Bartholomeu, brasileiro insigne, que no ar estabeleceu a realeza do Brasil.
Mas para isso não é preciso dizer que em Lisboa, há duzentos anos, os portugueses não quiseram acreditar nas nossas energias, quando eles, desde que descobriram esta terra e nos fizeram a nós, só têm demonstrado exatamente: fé nas energias brasileiras, glória deste vasto império!
De V. Exa. admirador literário
João do Rio
[COB1]http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/definicao/pichoso%20_1021136.html
[COB2]http://www.aulete.com.br/motejar
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