Coluna Bilhete
Transcrição
Ao vice-embaixador Clark. – Paris
– Pergunta você, meu caro Clark, como vamos de Rio de Janeiro? É a amável pergunta dos diplomatas que estão com o Oscar de Carvalho Azevedo em Paris preparando com o marechal Foch as festas de 15 de novembro na Ópera. E para ser amável, eu diria:
– Não tão bem como você, Clark.
Porque a verdade é que não se pode ir pior.
Imagine você que antigamente havia uma coisa que se chamava câmbio e permitia que as libras custassem 16$ e o dólar não chegasse nem a 3$500. Hoje não há mais câmbio, a libra custa os olhos da cara e o dólar é de 9$ para cima.
Devemos isso a uma aposta do venerável Epitácio, que quer provar de como se leva um país à ruína sem para isso ser preciso saber finanças.
Assim os preços parecem titãs bêbedos. Um jantar derreia [COB1] um homem e um fato custa 450$.
Também antigamente havia higiene. Agora a repartição aumentou, não há mais açucareiros e sim pulverizadores de açúcar, os varejistas são multados militarmente. Em compensação as epidemias voltam a ser endemias e o diretor da Higiene vai passear a América.
Outra coisa que havia no seu tempo era dinheiro. Agora, o Epitácio gastou-o ou escondeu-o de tal modo que, um pouco de miolo mole, quando alguém dele se acerca, logo o homem indaga:
– Onde está o dinheiro?
Quando você ainda não tinha ido para Paris, roubando aos seus camaradas do Itamaraty a sua tão delicada convivência, os brasileiros andavam todos sem saber onde iam, mas satisfeitos, tranquilos. Agora continuamos a pouco querer saber onde vamos, mas, com uma diferença: é que vamos inquietos, amargos, convulsos, enfim – “epitaçados”.
Se você, meu caro Clark, saltando nesta cidade de ouro, que inspirou um poeta de muito talento, o Murillo de Araújo, resolvesse a quantos encontrasse fazer a pergunta: “Está você contente?”
Eu apostaria a minha vida (dois anos ainda, se houver muito cuidado segundo o Rocha Vaz, o Austregésilo, o Gilberto Moura Costa e outras sumidades) contra dois tostões de como você, Clark, não encontraria ninguém que se mostrasse satisfeito.
Devemos tal estado de coisas ao Topete Funesto, ao velho Silva Pessoa inválido do Tribunal e frenético oradorzinho do Catete.
E para mostrar-lhe de como o vendaval da insânia varre a cidade: toda gente fala do Centenário, há mil projetos a executar; mas enquanto aí, em Paris, para festejar o nosso 15 de novembro na Ópera, os brasileiros gastam mais meses de trabalho, para o Centenário faltam 15 meses e ainda não se deu um passo.
Envio-lhe lembranças do Itamaraty. Os funcionários agonizam quase todos de azevedorite marqueteana, ou seja – gripe cretinal.
Ex corde
João do Rio
[COB1]http://www.aulete.com.br/derrear
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