Coluna Bilhete
Transcrição
Aos Bombeiros – Não sei como o Dr. Epitácio e os nacionalistas vão encarar a resolução da santidade de Bento XV entregando o vosso glorioso Corpo ao patronato do valoroso São João de Deus. São João de Deus antes de ser santo era simplesmente um forte português, que se notabilizou pela coragem com que salvava dos incêndios muita gente boa e má. No incêndio do Hospital de Granada, São João de Deus meteu-se pelas chamas e cada reaparição sua dentre o fogo era para despejar na rua dois doentes salvos. Essa disposição é bem lusitana. Até hoje em Portugal os bombeiros são heroicos e voluntários, e bem se pode dizer que os Bombeiros do Rio de Janeiro, de fama em todo o mundo, herdaram da disposição lusa a dedicação e o heroísmo.
Nada mais natural que S. João de Deus fosse o escolhido para olhar por vós.
Exatamente porque é natural, entretanto, é que deve agradar pouco a todos os jacobinos que querem estabelecer no céu um nacionalismo capaz de irritar todos os santos, mesmo São João de Deus, que só se aborrecia na terra com as violências incendiárias.
Vós, Bombeiros do Rio, tendes a alma tersa [COB1] de São João de Deus e pensais que sois livres de ter por padroeiro o santo que desejardes, orando até o comandante dizer basta no oratório que lhe fizerdes. Estais no gozo dos vossos direitos, sem receio de molestar ninguém.
Mas isso é uma ilusão. Uma tremenda ilusão.
As coisas agora são outras. E no governo Epitácio, os Bombeiros podem receber uma imprevista bomba: por exemplo, um ucasse [COB2] da Ação Nacionalista, em que o Conde Celso e o Calamare decretem coisas sensacionais.
Que faríeis se o Corpo de Bombeiros recebesse o decreto provável?
Ainda agora vi nas mãos de conhecido pescador de cartola o rascunho dessa peça. Diz assim:
“– Fica proibido o Corpo de ter um padroeiro português.
“– Considerem-se destituído o comandante e rebaixados de posto os oficiais que aceitaram um português da corte celeste para patrono, em vez de pedir santos de outras nacionalidades.
“– Fica proibido de arranjar padroeiros para brasileiros, sem prévia consulta à Ação Nacionalista, o Sr. Cardeal Arcoverde.
“– Sejam publicadas estas linhas para prevenção dos cavalheiros que andam por aí.”
O homem, amigo do famoso Calamare, está patrioticamente furioso e pretende liquidar a glória de São João de Deus como liquidou a de Pedr’Alvares. Para ele, ou São João passa a espanhol ou ele arrasa o Corpo.
E é com os cumprimentos pela prova de fé da vossa corporação tão digna e bela, com os pedidos para que São João de Deus vos conserve a glória – que vos anuncio a dolorosa surpresa dos jacobinos ao encontrarem por intermédio de Bento XV portugueses até no céu...
João do Rio
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