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Foto do escritorCristiane d'Avila

Segunda-feira, 27/12/1920

Atualizado: 16 de jun. de 2021

Coluna Bilhete


Transcrição


Dulphe Pinheiro Machado – Superintendência da Desalimentação – Corro a você pressuroso, Dulphe, para perguntar o que faz você que não obriga a Companhia de Pesca a vender o peixe nas feiras livres. É o momento de você demonstrar ser ou o cavalheiro elogiado ou o mistificador acusado.


A Superintendência (uma das mascaradas do governo Epitácio) só tem dado prejuízos e praticado violências. Mas o bedelho no caso da pesca tornou culminante a ilegalidade. Toda essa história de pesca resultou espantosamente em detrimento dos pescadores livres, e no monopólio de uma Companhia Nacional de Pesca, com o ilustre amigo do Presidente Henrique Lage, principal acionista.


O nosso truster admirável, com grande patriotismo “adivinhou” a campanha que expulsaria os poveiros pescadores, a campanha de escravização dos pescadores brasileiros rotulada de Confederação e de Feiras Livres. Naturalmente, “adivinhando”, mandou preparar com tempo navios que foram pescar na altura de Abrolhos, e estaria, logo depois da campanha, capaz de fornecer só ele peixe barato e nacionalizado ao carioca ictiófago. Tudo se deu como pensara o Grande Industrial, com patriótica previdência.


Nós tivemos uma crise de maluqueira em que homens com funções do governo, a propósito de pesca, descompunham Pedr’Alvares; nós tivemos, sem a vaia das ruas, um bando de cidadãos de cartola, que não distinguem uma tainha de um bagre, armados em pescadores, conversando com o presidente sobre a salvação do pescador brasileiro; nós tivemos cavalheiros que taxativamente não se podiam meter em regularização de venda de peixe, descompondo a gente pelos jornais e arrebatando à força o trabalho dos pescadores para a comédia lúgubre das feiras livres. E tudo isso era a peça cujo desenlace estava reservado ao Deus-ex-machina da Companhia Nacional de Pesca...


Você, meu caro Dulphe, que tão pachorrentamente conseguiu ser o serviçal de confiança do Catete nas manobras da alimentação, entrou no último ato da peça, tomando conta do peixe alheiro e mascarando essa falcatrua, que teria cadeia se não fosse feita pelo governo, com umas engraçadas estatísticas tão pormenorizadas que, com um pouco mais, você mandaria dizer imperturbável aos jornais quantas ovas de tainha a Guanabara guarda.


Ora, o navio da Companhia chegou, não entregou peixe algum para as feiras livres, e você, que invadiu os frigoríficos para arrancar de lá o peixe dos pescadores, não me consta que tenha intimado a Companhia a entregar o seu peixe.

Isso é direito, Dulphe Executor?


Nesta questão da pesca, eu sou pelos pescadores, e vejo que os coitados vão ser esmagados, transformados em colonia e depois em mariscos. Já não discuto o peixe de má qualidade e caríssimo. Discuto a ilegalidade que você representa e que, neste momento, tem secretas para empalmar o peixe dos pobres e rapapés para engrossar o sindicato poderoso, nacionalizador da pesca.


É um processo de ser patriota e brasileiro muito engraçado.


Assim, escrevo-lhe este bilhete para saber o que você vai fazer com o peixe do rico desde que não respeitou o do pobre. O peixe da Companhia tem que ir para a pilhéria espermacética das feiras livres também. Mesmo porque ali entrarão os agentes da Prefeitura, proibindo que se envenene a população com o peixe que veio dos Abrolhos – podre.


Esperando a sua atitude, admirador sempre


João do Rio

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